O texto de Flusser baseia-se no dilema dos objetos de uso que, para o homem, são tão importantes quanto opressores: ao mesmo tempo que são necessários para que haja o progresso, estão sempre no caminho humano, impondo limites como obstáculos que são. Assim, uma proposta de criação de objetos de uso mais responsáveis e intersubjetivos é feita. O homem deve configurar projetos que minimizem a objetividade, a obstrução, ao passo que aumentem as possibilidades de mediação entre si e outros homens.
Considero o texto muito coerente com o nosso aprendizado na Escola de Arquitetura até agora. Estabelecendo um paralelo com Herman Hertzberger, vários objetos cotidianos apresentam-se muito restritos na funcionalidade, enquanto necessitam oferecer novas liberdades usuais. Dessa forma, a comunicação entre criador/usuário não se expande, contribuindo para a objetividade que nos cerca e também para uma rápida perda da forma de tais objetos. Aqui entra a efemeridade das formas: quanto mais se produz objetos de uso irresponsáveis, centrados em um uso individualizado, mais rapidamente são extintos, já que a obstrução para que se alcance o progresso torna-se insuportável. É senso comum dizer que o homem só toma medidas efetivas quando algo atinge-o negativamente, ainda que isso não seja uma verdade inegável. Nesse caso, é a obstrução que vai levá-lo a pensar de modo mais livre na elaboração de um novo design. Apesar, contudo, da necessidade de invenção de objetos com maiores liberdades, é impossível imaginarmos um mundo composto apenas por eles, sem determinarmos restrições usuais ainda que pequenas. A obra “Bichos”, de Lygia Clark, por exemplo, oferece possibilidades a quem manuseia suas placas metálicas ao passo que as articulações presentes impõem certos limites deste manuseio.
Esse texto também faz uma ponte com o "Animação cultural", do mesmo autor. Neste, a mesa redonda apresenta-se como a presidente para a organização de uma revolução caracterizada pelo domínio dos objetos sobre a humanidade. Ao projetar, muitas vezes, o homem também se torna "refém" do objeto: de acordo com Flusser, em ''Design: obstáculo para a remoção de obstáculo?", os objetos resistem a projetos de muita utilidade e acabam controlando o processo de sua própria criação. Isso não deveria ocorrer, a imaginação humana que deveria ser capaz de controlar todas as etapas de desenvolvimento dos mesmos.
Vale ressaltar também o ponto dos objetos de uso imateriais. É indiscutível a gama de possibilidades oferecidas pela internet, por exemplo. O acervo informacional disponível garante uma liberdade aparentemente infinita. No entanto, ela garante uma perda incessante da cultura material: muitos projetos são descartados já que, "concorrendo" com essa imensa rede, são deformados; perdem sua forma original. E isso me incita a crer na existência de um embate entre cultura material e imaterial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário